Gestão de Cheias em Moçambique: Do Problema à Procura de Soluções
De: Pedro José Zualo
Numa tarde dessas eu sentado no meu confortável gabinete, recebí um email, de um colega de carteira no curso de Relações Internacionais e Diplomacia, um amigo, o dr. Pedro Zualo. Bem, deixa-me dizer que não era um email qualquer, era um email que mecheu com a "minha auto-estima", mudou o "status quo do meu orgulho", pois tive sempre para mim que daquela turma ninguém escrivia, que alguns reflectiam mas nos bastidores, e não é que o dr Zualo surpreendeu-me positivamente, com um texto carregado de reflexões, análises de grande alcance, que mereceram o meu aceno de reconhecimento.
Não exitei, e nem duvidei por um instante, pedí que me permitisse publicar integralmente o seu texto no meu blog, o que me foi concedido. Num gesto de reconhecimento da dimensão e valorização do texto, mas também como um mecanismo pelo qual mais pessoas, sobretudo aquelas que leêm regularmente discutem na blogsfera, de poderem ter acesso, e comentarem, as reflexões do dr. Zualo sobre a Gestão das Cheias em Moçambique.
Os danos provocados pelas cheias de 2008 em Moçambique, ilustram os limites da actual política de gestão de risco, alicerçada em medidas reactivas inadequadas (preocupação com as cheias, apenas ao ritmo e na sequência da sua ocorrência). O actual sistema de gestão de calamidades naturais no país não elimina o risco de cheias, mas cria essa ilusão. A crença nos discursos em presença junto das autoridades governamentais, com responsabilidades de gestão do território favorece a permanência das populações nas áreas susceptíveis de cheias. A par do aumento da vulnerabilidade de pessoas e de infra-estruturas em áreas de risco, os danos provocados pelas cheias evidenciam a fraca capacidade institucional para gerir a crise, induzida pelo síndroma de atrofia da vigilância” (Freudenburg 1999).
Na prática, o sindroma de atrofia da vigilância traduz-se na desatenção e negligência face a episódios ou incidentes que, noutras circunstâncias, poderiam funcionar como sinal de alerta para o agravamento da situação e consequente acção preventiva e atencipada. Indagna se as cheias anteriores (cheias de 2000) que fustigaram e devastaram na região sul de Moçambique não terão sido interpretadas como o máximo expectável e, portanto, descurada a vigilância.
Estes fenómenos vêm levantar a discussão sobre o modo como se tem gerido o risco de cheias e os espaços adjacentes às linhas de água em Moçambique. A política de gestão de calamidades tem sido, no país, muito marcada por um défice de implementação (distanciamento entre o plano de intenções, objectivos e resultados no terreno). Têm-se privilegiado soluções inadequadas e especulativas para efeitos de controlo do risco de cheias, subestimando a ciência e tecnologia.
O indicador desta tendência é a referência que o actual programa de contigência de calamidades faz à falta de eficácia e ao carácter pontual com que os regimes de regras, respeitantes às possíveis medidas, são aplicados em Moçambique. No entanto, a questão das cheias tem que ser um assunto presente no centro político nacional, com vista ao debate para adopção de medidas relativas à avaliação e gestão de calamidades naturais. O país deve ter capacidade e recursos para seguir padrões meteorológicos, prever impactos e avaliar riscos, de modo a fornecer aos seus cidadãos informação de qualidade para reduzir a sua vulnerabilidade.
A necessidade de se adoptarem medidas integradas é, portanto, pertinente. A pesquisa minuciosa para a identificação das áreas com risco de cheias deverá ser um dos passos à orientar técnicos, académicos, comunidades locais e decisores políticos sobre a ocupação destas zonas.A habitação nas áreas com risco de cheias pode passar por um reforço de medidas que devem constar nos instrumentos legais do planeamento e ordenamento territorial e, implementados à escala nacional. O conhecimento mais pormenorizado destas áreas pelos técnicos,decisores políticos e cidadãos é um aspecto fundamental no planeamento e ordenamento territorial, principalmente em áreas onde a pressão populacional é elevada.
Julga-se, que mais do que indicar, se deve inovar ao nível das actuais medidas de gestão de calamidades. Entende-se que devem existir medidas alternativas à proibição ou condicionamento à habitação em zonas adjacentes ou susceptíveis de serem inundadas. Com efeito, deve-se estimular e reforçar a existência de medidas que regulamentem as áreas susceptíveis à inundações. Como foi referido acima, a restrição à habitação pode, nalguns casos, revelar-se ineficaz, alvo de resistência da população e desadequado em face da magnitude do risco na área em questão.
Nestas circunstâncias, a mitigação do risco pode fazer-se através do estímulo à construção de habitações observando técnicas adequadas ao local susceptível às cheias, por exemplo a elevação do edifício acima da máxima cheia provável com um determinado período de retorno.
A um outro nível, julga-se que impera uma grande indefinição quanto ao papel do Estado, da administração local e das populações em matéria de mitigação do risco de cheias. Destaca-se o pouco interesse que os órgãos de governação local têm para integrar o risco de cheias nas políticas de planeamento e ordenamento territorial. Quer por fraca percepção de riscos ambientais, quer por dificuldades em solucionar conflitos de interesses, os órgãos locais podem não aderir a medidas científicas e tecnológicas de mitigação do risco de cheias. Com efeito, julga-se que é necessário inovar ao nível do processo pelo qual as medidas são postas em prática e clarificar os papéis dos actores responsáveis pela gestão de calamidades.
As autoridades governamentais, juntamente com as comunidades locais e outros actores intervenientes são, portanto, fulcrais em qualquer política de gestão do risco de cheias. Em Moçambique, a situação demonstra que a co-responsabilização destes parceiros ainda é fraca em processos de tomada de decisão. Nesse sentido, considera-se, sobremaneira importante o papel da população neste processo. Entende-se que a informação e a formação das comunidades que vivem em locais susceptíveis de risco constituem medidas primordiais na mitigação do risco das cheias. À semelhança do que acontece com técnicos e decisores políticos, deve-se insistir numa consciencialização, numa cultura de prevenção de risco, numa educação ambiental do risco para a população de regiões com risco de cheias.
A ausência de informação, falta de infraestruturas (diques de protecção/barragens ambientalmente viáveis) e fraca educação ambiental junto das populações e a fraca preparação das autoridades governamentais e de outros actores intervenientes para a emergência diminuem a capacidade de antecipação da ameaça, aumentando, deste modo, a vulnerabilidade das comunidades. Nestas circunstâncias, qualquer onda de cheias, não monitorada pelo sistema de gestão implementado, pode tornar-se fenómeno imprevisível, onde a gestão da crise ocorre a reboque dos acontecimentos (cheias no Vale do Zambeza), com consequências desastrosas (avultados danos humanos e materiais).
Julgo por essas razoes ser de caractér urgente, que Mocambique caminhe apressadamente no sentido sair deste ciclo vicioso em que a preocupação com os problemas, concretamente com as cheias surge apenas ao ritmo e na sequência da sua ocorrência, e com esta minha reflexão, quis dar o meu contributo, pois certamente, outros terão outras visões, propostas, mas sempre no sentido de rapidamente, deixarmos de ser vítimas de um fenómeno natural, do qual periódicamente, nos bate a borta, obrigando que já estivessemos prontos para lidar com o problema.
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